Percebo na minha prática clínica que muitas pessoas traçam um percurso antes de vir à um tratamento psicoterápico – consultas médicas, remédios, exercícios físicos, exercícios de relaxamento, terapias alternativas, enfim… Percebem que há um sofrimento e tentam fazer um movimento para livrar-se dele, mas um processo terapêutico, para muitos, parece ser um “bicho de sete cabeças”. Alguns até falam “essa é minha última esperança” e não voltam mais, outros falam “vim só porque fulano disse que é bom”… O que está em jogo aí?
Há um imaginário social de que o psicanalista é aquele que sabe mais da pessoa do que ela mesma, que pode ‘ler os pensamentos’, ou interpretar as nuances dos comportamentos para dizer uma verdade sobre alguém. Será que está aí a dificuldade? A possibilidade de “descobrir” algo sobre mim, que eu até já sabia, mas não é confortável admitir?
Penso que o trabalho de um psicanalista, é poder sustentar um espaço em que o paciente possa dizer sobre aquilo que o incomoda, que o angustia, e também sobre aquilo que está lá, que faz parte dele, mas que gostaria que não fizesse. Para isso é preciso coragem.
É como se convivêssemos com um quartinho “da bagunça”, que sabemos que está lá, que sempre dizemos que vamos arrumar, mas fazemos de tudo pra não olhá-lo. E procuramos alguém que possa fazer “o trabalho sujo” por nós – arrumá-lo sem que precisemos nos envolver com aquilo que está guardado lá. No entanto, em um processo psicanalítico, de análise, o analista convida o paciente para, na medida em que o paciente possa suportar, olhar para esse quartinho. E depois, para além de olhar, percebê-lo como sendo seu quartinho. Então, perceber que foi, de alguma forma, ele mesmo que colocou aquelas coisas lá, daquele jeito. Mas agora, é possível fazer algo diferente com tudo aquilo. Suportar uma bagunça vez ou outra, sem precisar de tanto esforço pra fingir que aquilo não está lá.
Ou seja, em um processo de análise, o paciente terá a oportunidade de falar o que lhe vier à cabeça, sem seleção ou julgamentos, e em contrapartida, o analista deve manter uma atenção flutuante – não priorizando um conteúdo em detrimento de outro. Contar-se-á sua história, emoções, pensamentos, racionalizações para uma outra pessoa, que está ali disposta a verdadeiramente ouvir as palavras, e questionar.
Se o paciente aceitar jogar esse jogo, percebe, mais cedo ou mais tarde, que aquilo que estava tão cristalizado, fixado (sintomas, julgamentos morais, posições em relacionamentos, memórias, mágoas, etc.), e lhe causava tanto mal-estar, pode encontrar um ”quê” de novidade – “ah, mas eu nunca havia pensado nisso dessa forma”, e isso tem efeitos na realidade, na vida cotidiana da pessoa.
O que é interessante é que não é algo que o psicólogo/psicanalista traz previamente, como um conselho ou uma dica, o psicanalista não sabe o que é “o melhor” para seus pacientes, e essa nem é a intenção. Há muito estudo teórico, sim, sobre o psiquismo e o sofrimento humano, sustentando a escuta de um analista. No entanto, cada encontro com um paciente traz algo de novo e diferente. Assim, ao que um analista se propõe é uma abertura a isso, para o novo e diferente, uma abertura para olhar a bagunça do outro, para ouvir os ‘mal-entendidos’, para ouvir as lacunas, para ouvir as sutilezas, devolvendo-as ao paciente. A partir disso, cada um poderá olhar para o seu quartinho da bagunça, e ter a coragem de arrumá-lo de outra forma mais própria, mais autêntica, dando um outro destino ao seu passado.