Cada pessoa sofre à sua maneira, mas nem todas conseguem falar sobre o seu sofrimento.
Uma das narrativas de sofrimento, muito presente na escuta a profissionais que trabalham na ‘linha de frente’ durante a pandemia, é a narrativa da impotência. Essa pessoa, que procura atendimento psicológico, sofre porque sente-se derrotada ou não tem correspondido ao que se esperava dela. Diante de imperativos da vida como “Você tem que”, a sua resposta é a impotência.
Podemos dizer que “imperativos são afirmativas que trazem em si algo da ordem do impossível, pelo menos na singularidade” (MORETTO, 2016). Ou seja, para essa pessoa, por alguma razão, aquilo que é impossível de se realizar é interpretado como um fracasso pessoal.
Perceba a diferença sutil entre essas duas noções: “frente ao impossível, ao que não é possível, o sujeito interpreta como algo relativo à sua impotência” (idem, 2016). Portanto, esse sofrimento tem a ver com a demanda de reconhecimento de uma potência que nós não podemos assegurar, garantir, prometer. Porque não se trata de impotência, mas de impossibilidade.
“Se você, por alguma razão, absolutamente singular, interpreta o impossível como impotência, talvez isso seja uma ilusão de onipotência” (idem, 2016).
É claro que você pode querer a cura de doenças, salvar todas as vidas, atender a todos que precisam de ajuda, desejar o impossível. Mas, transformar isso em impotência, é sintoma.
Aqueles que trabalham em hospitais, unidades ou outros locais com pessoas adoecidas, entendem a importância dessa diferença. Se um paciente transforma o impossível em impotência, ele perde o ‘em-potência’ para lutar.
“Frente ao impossível cabe o Luto, frente ao que é possível cabe a Luta” (idem, 2016).
Referência:
MORETTO, Maria Lívia Tourinho. Palestra proferida na TV Cultura, São Paulo-SP, Jul. 2016. Disponível em: https://tvcultura.com.br/videos/55935_e-preciso-ser-feliz-maria-livia-tourinho-moretto.html. Acesso em 8 set. 2020.