Ei!
Ei, psiu!
Lembra daquele cara que caminhava reflexivo pela Rua Berggasse, em Viena, no sombrio pós Primeira Guerra Mundial? Pois então, foi num outono de 1918 que Freud, preocupado com os impactos da guerra na classe trabalhadora, expôs a urgência de novos caminhos para a psicanálise:
“A consciência da sociedade irá despertar, e fará com que lembremos de que o pobre deve ter tanto direito à assistência para sua mente quanto dispõe agora do auxílio oferecido pela cirurgia a fim de salvar a sua vida […]. Então, serão criadas instituições e clínicas ambulatoriais […]. Tais tratamentos serão gratuitos”.
Era tempo de luta e de luto. Cada indivíduo tinha um pedaço de si completamente despedaçado. A guerra trouxe ressignificações e para Freud, naquele momento histórico, os psicanalistas deveriam ir além.
Isso significava que uma terapia era também defender os direitos sociais das pessoas e as clínicas públicas, germinadas por ele, eram também uma conquista da sociedade. Ou seja, uma psicanálise acessível, restauradora da individualidade e que promovesse participação social das pessoas.
Brasil, 2021. Após tanto tempo, as ruas novamente clamam por um sentimento de reconstrução. De luta. De luto. De mudança. Numa pandemia. Uma guerra invisível, letal e que se propaga pelo ar!
De comum, entre os tempos históricos, muitas coisas.
Em suas “desilusões diante da guerra”, Freud disse que “jamais um acontecimento destruiu tanto os bens preciosos comuns à humanidade, confundiu tantas das mais lúcidas inteligências, rebaixou tão radicalmente o que era elevado. A própria ciência perdeu sua desapaixonada imparcialidade […]”.
Atual, não?
E a relação com a morte? Um assunto normalmente evitado, mas que, após mais de 600 mil vítimas da covid19 no Brasil, somadas às famílias e amigos também em luto, ganhou um fúnebre protagonismo.
Freud disse:
“[…] essa nossa relação com a morte possui um efeito poderoso sobre a nossa vida. A vida empobrece, ela perde interesse quando a aposta mais alta nos jogos da vida, justamente a própria vida, não pode ser arriscada”.
Proteja-se!
Máscara. Álcool em gel.
Lágrima. Lenço ou papel.
Saúde. Mente. Corpo.
Corro. Fujo. Socorro.
Vacina no braço.
Por favor.
Um abraço.
A psicanálise social, em tempo de luto coletivo, também assume um protagonismo.
Em Curitiba, por exemplo, há a Plataforma Psi Social, que propõe uma psicanálise acessível, posicionada e preocupada com a classe trabalhadora. Principalmente porque o Sistema Único de Saúde (SUS) está sobrecarregado e o atendimento voltado para a saúde mental das pessoas em vulnerabilidade social não é prioridade.
Para se ter uma ideia da necessidade de uma psicanálise social, esse recorte da obra de Chimamanda Ngozi Adichie, grande nome da literatura contemporânea, “Notas sobre o luto” (2020), escrita durante a pandemia de covid19, relata a imensurável dor da perda:
“O luto é uma forma cruel de aprendizado […]. Aprende quanto o luto tem a ver com palavras, com a derrota das palavras e com a busca das palavras […]. Meu coração me escapa – meu coração de verdade, físico, nada de figurativo aqui – e vira algo separado de mim […]. É um tormento não apenas do espírito, mas também do corpo […]. Passo semanas com o estômago embrulhado, tenso e contraído de apreensão, com a certeza sempre presente de que alguém mais irá morrer, de que mais coisas irão se perder […]”.
Sentimento esse presente em milhões de pessoas.
São famílias em luto. Na Solidão. Com raiva. Medo.
Lembrança. Morte.
Portanto.
Lembre-se
De ouvir
Ser acessível
E social.
Pois, assim como Freud e sua trupe fizeram na Áustria, Alemanha e outros países, o trabalho do psicanalista também é de reconstrução da sociedade quando há essa necessidade. Em outras palavras, nunca foi tão necessária a psicanálise voltar pra base.