Ao falarmos de puerpério é necessário delimitar que não se trata aqui do chamado resguardo com duração de 40 dias pós-parto. Trata-se de um período que se inicia com o nascimento do bebê mas que pode extrapolar, e muito, esse tempo pré-determinado.
Necessário é também falar da gravidez: uma gestação pode ser desejada num nível mais consciente pelo casal e, mais especialmente, pela mulher, ou não ser planejada. De uma forma ou de outra, gestar um bebê traz uma verdadeira revolução na vida de uma mulher. São mudanças físicas: as transformações no corpo, hormônios que são produzidos pelo organismo feminino apenas no estado gravídico, trazendo alguns mal-estares (enjoos, mais sono, cansaço), mudanças posturais, o ventre que vai ganhando forma arredondada e aumento na circunferência, etc. Além dessas modificações fisiológicas, algumas das quais bem visíveis, acontecem outras de forma bem mais silenciosa: as transformações psíquicas.
O período em que o feto vive dentro do útero não é somente para seu desenvolvimento, mas também para que torne possível o nascimento de uma mãe. Por esse motivo alguns fenômenos ocorrem no psiquismo materno: a mulher experimenta algumas regressões a fases passadas de sua vida, como uma identificação com sua própria mãe e com o filho que carrega no ventre.
Em outras palavras – acontecimentos marcantes da história de vida da pessoa que gesta, do lugar de filha, que possivelmente nunca foram falados, tratados ou elaborados e que, portanto ficaram no inconsciente, tornam-se mais acessíveis, como se houvesse agora uma conexão direta entre a situação da gravidez e suas lembranças do passado. Esse momento tão particular da vida impõe à mulher que seja criado um lugar psíquico para o filho que vai nascer. Ou seja, é de suma importância que o bebê seja idealizado, imaginado pela mãe e também por quem mais aguarda a chegada do novo membro da família, como o pai, por exemplo.
Falando em idealização, dessa vez não como algo relevante para que uma mãe surja, mas não menos problemático, existe em nossa cultura um enaltecimento, um endeusamento da gravidez. E, de fato, uma mulher grávida acaba por se sentir, em alguns momentos, muito especial, beirando a sensação de completude. Mas é até um tanto perigoso que se negue, como bem faz a sociedade no geral, a ambiguidade de sentimentos e sensações envolvidas nessa experiência humana que é trazer uma nova vida ao mundo. A gravidez e o puerpério são fases que se seguem. Não à toa é chamado dessa forma – ciclo gravídico puerperal. Não há, no entanto, uma continuidade entre essas etapas; há um momento de ruptura, um divisor de águas: o parto.
O puerpério tem início com o nascimento do filho, que traz uma mudança radical, avassaladora e sem precedentes na vida de uma mulher. E o que existe de peculiar nessa história, é que ela ocorre de forma impetuosa, não gradativa. Ela se dá categoricamente, impondo toda sua brutalidade assim que o feto sai de sua barriga. Aqui temos uma questão muito complexa: de uma puérpera é esperado apenas sentimentos de alegria, felicidade… Idealiza-se que uma mulher que tem um recém-nascido nos braços só tenha boas sensações e sentimentos de contentamento. Porém, não só de bons afetos é habitado o interior de uma puérpera. Dividem morada também a tristeza, angústias, medos, dúvidas, saudades (de outros tempos). São sentimentos de ambivalência… Paira no ar uma grande sensação de perda. Mas a maior delas é a sensação de perda de si própria, a perda da própria identidade.
O luto dessas perdas exige elaboração. Assim como o luto pelo bebê idealizado, em detrimento do bebê da realidade, que inevitavelmente não são o mesmo. Toda essa experiência, jamais vivenciada até então, coloca a urgência de um trabalho psíquico. Nesse sentido, a escuta analítica é primordial. Para que todos esses lutos sejam feitos, todas essas transformações sejam elaboradas, para que uma reorganização psíquica seja possível, uma narrativa dos acontecimentos precisa ser feita. Ou seja, poder falar disso é fundamental. Por conta, principalmente, de toda a idealização da gravidez e da maternidade, já mencionada, os efeitos dos tempos do puerpério na saúde mental de uma mulher ainda são muito subestimados.
Existem quadros mais delicados que podem ter início no puerpério, já que questões até então inconscientes podem vir à tona depois que o bebê nasce. Por outro lado, não podemos deixar de dizer que ter um filho e se tornar mãe (e pai), tem todo o potencial de cura. O desamparo que vem à tona durante esse percurso, ao lado de um acesso mais direto aos conteúdos inconscientes, traz oportunidade de retificação da própria história. Tem-se aí uma excepcional chance de transformação e ressignificação de feridas cuja cicatrização ainda estava bem distante.
Por Miriam Abdo Magalhães
Excelente texto. Sensível e acolhedor.