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Afinal, do que sofremos?

Afinal, do que sofremos?

Nunca se falou tanto em laços sociais, encontros, reuniões com familiares e com amigos e, diante da impossibilidade de contatos presenciais, vamos nos reinventando no mundo virtual. E então surgem os questionamentos sobre o valor do “outro”, dos “outros”, na vida de cada um, sobre o valor que isso tem. O distanciamento nos leva a pensar no que era próximo e nem percebíamos. Ficamos, assim, de frente com o inusitado, algo para além de uma compreensão “racional”, “sem controle”, inesperado. O que fazer?

Trata-se de um desamparo em face do que não se sabe, a ansiedade que toma conta diante da falta de respostas. Quanto tempo levará para que se chegue a uma solução que encerre esta pandemia? Será que terá fim este momento tão devastador, de angústias tão assoladoras?

Vem à tona uma fragilidade adormecida, tamponada pelo “agito” do dia a dia. Com a agenda lotada de afazeres, evito me deparar com algo que está em mim, que me mostra um mal-estar; eu o escondo de mim mesma. Então vem uma nova “circunstância” e me tira do lugar da mesmice. Qual lugar? Aquele em que nada quero saber de mim, mas que sei que fala em mim, dá sinais, produz sintomas; vou para um lado, vou para o outro, e lá está, sigo no autoengano.

Vamos partir da ideia básica de que somos seres constituídos pelo “Outro”(Outro em Psicanálise é um conceito que diz de alguém importante na construção do nosso ser no mundo). Alguém por meio da linguagem nos fala e nos dá “vida”, cria este corpo, esta fala, este ser no mundo. De início já nos deparamos com a incompletude. Mas não cedamos à ideia de que fomos um dia completos com o outro, ou com a metade do Outro, ou que somos inteiros/completos por nós mesmos.

Podemos identificar aqui um dos grandes embates e sofrimentos do ser humano: enxergarmos que algo nos falta. E é na busca desse tamponar isso que nos causa angústia, medo, insegurança que vivemos aturdidos com aquela confrontação. Não queremos nos deparar com essa incompletude, que nos remete a um vazio, que, em vez de ser visto como algo que nos leva a buscar, desejar, nos movimentar como seres desejantes, é vivenciado, muitas vezes, como sofrimento, ilusão de que algo ou alguém poderia se amalgamar nesse furo estrutural.

Será que não é disso que sofremos? Querer que dois virem um – com uma pessoa, um trabalho, um objeto, uma ocupação? Muitas vezes, vivenciamos isso, mas não entendemos, não nomeamos, mas sofremos seus efeitos. Surgem sintomas, dor de cabeça, deslocamentos de sofrimentos que nos limitam no ir e vir em nosso cotidiano.

Quando há uma desconfiança de que algo não vai bem, o que fazer com isso? Fazer de conta que não é “nada”, que já vai passar e tocar a vida? Ou escutar o que isso quer me dizer, para além de minha compreensão? O que digo quando me escuto? Fala em mim um sujeito que desconheço, mas eu o reconheço no que deseja, no mais íntimo do meu desejo, como a mim mesma. Isso gera conflito, divisão, atordoamento, mas é onde me aproximo do que me faz sofrer, viver, questionar, sentir, repelir. É necessário um tanto de coragem, pois o que vou acessar é algo inusitado, surpresa, e o que se formula em mim é a interrogação sobre muitas formas de tolerância e adaptabilidade diante da civilização que me normatiza, que me faz esconder que sou objeto da demanda do Outro. Obedientemente, respondo a isso de modo automático e essa atitude reverbera em minhas ações, decisões, escolhas e pensamentos.

Qual sentido quero dar à minha vida? Um sentido já estabelecido pelo Outro ou um que me permita criar e ir além do sabido? É possível fazer um trabalho analítico/terapêutico com o que sofro e assim me reconhecer como ser inacabado, que me possibilita um movimento permanente de busca, atiçando a curiosidade sobre qual é o desejo que me move e o quanto estou disposta a bancar esse desejo. Surge então a aposta de que há, sim, um sujeito desejante, único e singular a ser historicizado, criado e recriado, e é nesse fazer falar e fazer ouvir que se constitui um novo sujeito. Vou conhecendo novas formas de lidar com as marcas de sofrimento que tenho, responsabilizando-me por uma nova posição em face disso.

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