É comum ouvirmos relatos sobre “o problema das drogas” na sociedade. Substâncias psicoativas que tinham funções relacionadas à satisfação de necessidades individuais e culturais, a partir da década de 1970, passaram a ser proibidas e estigmatizadas como algo ruim. A própria palavra droga – originada no holandês antigo droog que significava “folha seca” – passou a ser usada como termo pejorativo.
Mas, afinal, o que são drogas e quais problemas elas causam?
Bom, essa é uma pergunta complexa, pois, segundo o historiador Antonio Escohotado, a história das drogas se confunde com a própria história da humanidade. Assim, tanto seu conceito quanto a função do seu uso foram sofrendo modificações ao longo dos séculos.
Hoje, as drogas são definidas pela Organização Mundial da Saúde como quaisquer substâncias psicoativas que têm efeitos sobre o sistema nervoso central. Além disso, as drogas podem ser classificadas conforme os efeitos causados no corpo biológico (estimulantes, depressoras e perturbadoras), sua legalidade (lícitas, ilícitas e prescritas) e seu modo de produção (natural, sintética e semissintética). Drogas, portanto, não são somente produtos ilegais, mas também substâncias vistas como menos nocivas, tal como bebidas alcoólicas e medicamentos psiquiátricos.
Independente do tipo, todas as drogas podem ser usadas para causar prazer e/ou aliviar dores de forma recreativa e/ou terapêutica, bem como podem se tornarem problemas à medida em que seu consumo compromete a execução de outras atividades da vida, como o convívio com pessoas queridas e/ou desempenho profissional.
A associação de drogas a algo ruim e perigoso faz parte de um imaginário social criado para omitir diversos problemas de desigualdade socioeconômica. O objetivo aqui não é adentrar nos problemas da chamada Guerra às Drogas, mas sim expor que as drogas – enquanto substância psicoativas – não causam nenhum problema sozinhas.
Exemplo disso são as próprias estatísticas sobre o assunto. Segundo o World Drug Report 2024, relatório mundial da Organização das Nações Unidas sobre drogas, 292 milhões de pessoas fazem uso de substâncias ilícitas no mundo. Isso significa que 1 em cada 18 pessoas faz uso de drogas ilegais. Dentre os usuários, somente 1 em cada 81 vai apresentar algum problema relacionado ao uso da substância.
Apesar desse número revelar uma questão de saúde pública, já que 64 milhões de pessoas apresentam algum transtorno por uso de substância, podemos nos perguntar por que somente uma parcela dos usuários (cerca de 20%) apresentam algum consumo prejudicial. Dentre questões estruturais de raça, classe e gênero, a resposta parece estar relacionada com a história de vida de cada sujeito.
Quem é o sujeito que consome substâncias? Qual sua história de vida? O que o levou a desenvolver um uso prejudicial? Quando e como isso começou? Qual a função que a droga ocupa em sua vida atualmente?
Essas perguntas retóricas mostram que há um sujeito antes do consumo prejudicial de substâncias. Retornar a história de vida é tirar o protagonismo das drogas para enxergar e escutar o sujeito que sofre. Tirar o protagonismo das drogas é olhar para o sofrer que antecede o uso prejudicial. Olhar para o sofrimento da pessoa é entender quais as origens da sua relação complicada com as drogas para pensar em estratégias singulares de cuidado no presente.
Escutar o consumo prejudicial de drogas como um meio que o sujeito encontrou para lidar com um sofrimento é a aposta da clínica psicanalítica alinhada à redução de danos. Para pensar cuidados a pessoas usuárias de drogas é preciso inverter a lógica do senso comum, pois, tal como disse uma usuária durante a realização do I Seminário Internacional de Redução de Danos em dezembro de 2024: “droga é a solução para um problema antigo; pode não ser uma boa solução, mas é uma solução para algo pior”.
Faz sentido para você? Se sim, vamos cuidar desse “algo pior” juntos?
Com carinho,