Falar sobre suicídio é um tema sempre delicado e cercado de tabus, mas é fundamental falarmos sobre ele de maneira aberta e acolhedora. A psicanálise compreende o suicídio como um fenômeno complexo que vai além do simples ato de tirar a própria vida. Ele é visto como uma expressão do desejo de autodestruição, refletindo a predominância das pulsões de morte sobre as pulsões de vida. O ato suicida pode ser relacionado a sentimentos de culpa inconscientes, no qual o indivíduo internaliza uma figura parental ou autoridade punitiva e direciona essa agressividade reprimida contra si mesmo.
Desde a Antiguidade, a morte por suicídio aparece em registros mitológicos e religiosos, com diferentes significados atribuídos conforme a cultura e o contexto histórico. Em diferentes momentos, o suicídio foi romantizado como um gesto heroico, especialmente em situações de sacrifício pessoal por um bem maior, como no caso de figuras como Cleópatra e Sêneca. Entretanto, o suicídio também já foi tratado como um crime em certos contextos sociais, como na Roma Antiga que um soldado suicida era visto como um desertor, sujeito, ironicamente, à pena capital. Essa ambivalência histórica reflete as diversas formas como a sociedade lida com o tabu da morte e os impulsos destrutivos presentes na psique humana.
Abaixo, desmistificamos alguns mitos comuns e trazemos fatos importantes para melhor compreensão e prevenção do suicídio.
Mito: “Quem fala sobre suicídio não quer se matar.”
Fato: Falar sobre suicídio pode ser um pedido de ajuda ou uma tentativa de expressar angústias internas profundas. O ato de verbalizar o sofrimento é visto como um importante sinal de que o indivíduo está lidando com conflitos internos intensos e que a escuta pode ser uma intervenção fundamental. Acreditar que alguém não se matará apenas porque fala sobre isso pode atrasar a busca por ajuda.
Mito: “Quem quer se matar, não fica avisando. Vai lá e faz.”
Fato: Embora possa haver impulsividade em alguns casos, em muitas situações há sinais de alerta antes de um ato suicida, como mudanças de comportamento, isolamento, perda de interesse em atividades que antes eram prazerosas, além de comentários frequentes sobre a morte e desesperança com o futuro.
Mito: “Perguntar sobre suicídio pode incentivar a pessoa a tentar se matar.”
Fato: Abordar diretamente o tema do suicídio não intensifica o risco; pelo contrário, pode abrir um espaço crucial para que o sujeito em sofrimento externalize suas angústias e explore seus sentimentos mais profundos. Demonstrar preocupação e estar disposto a ouvir de forma sincera e sem julgamentos, pode fazer toda a diferença para que o sujeito se sinta acolhido e menos isolado em seu sofrimento.
Mito: “Quem tenta suicídio uma vez não tenta outra. O raio não cai duas vezes no mesmo lugar.”
Fato: A tentativa de suicídio é um fator de risco significativo para futuras tentativas. O impulso suicida, uma vez ativado, pode permanecer latente no inconsciente, exigindo acompanhamento e suporte contínuos. A escuta psicanalítica, ao explorar as dinâmicas inconscientes subjacentes, se torna valiosa para prevenir recaídas e novos episódios, ajudando o sujeito a elaborar suas angústias e reencontrar outros caminhos de vida.
Mito: “Pessoas que falam em suicídio só querem chamar atenção.”
Fato: O suicídio é frequentemente relacionado a depressão, ansiedade e a fatores de sofrimento intenso. Julgar alguém como fraco ou dizer que a pessoa está querendo apenas chamar a atenção, minimiza a gravidade da situação ignorando a seriedade do estado emocional do sujeito e pode reforçar sua sensação de abandono e incompreensão. Reconhecer a gravidade dessas expressões é essencial para criar um espaço de escuta e acolhimento.
Mito: “Não tem nada que se possa fazer para ajudar alguém que quer se matar.”
Fato: Sempre há algo que pode ser feito. Oferecer apoio, ouvir sem julgamentos e encorajar a busca de ajuda profissional são passos essenciais para que o sujeito em sofrimento encontre outros caminhos e alternativas para suas questões internas. A pessoa que sofre muitas vezes não vê saída para resolução de seus problemas, e o apoio de outros pode abrir caminho para a recuperação.
Mito: “Quem tenta suicídio quer realmente morrer.”
Fato: O desejo de morrer pode coexistir com um desejo de viver, e o suicídio pode ser visto como uma forma de escapar de um sofrimento psíquico insuportável. Na perspectiva psicanalítica, há uma ambivalência entre Eros (pulsão de vida) e Tânatos (pulsão de morte), onde o impulso suicida pode representar uma tentativa de resolver essa tensão interna.
Desmistificar o suicídio é essencial para a prevenção, pois permite que compreendamos os impulsos inconscientes e os conflitos internos que podem levar a esse ato extremo. A atenção ao inconsciente e a disposição para oferecer um espaço de escuta e acolhimento são fundamentais nesse processo. Se você ou alguém que você conhece está em sofrimento, não hesite em buscar ajuda para explorar e elaborar as angústias. A vida, enquanto expressão de desejos e pulsões, é o bem mais precioso que temos, e a esperança pode ser resgatada através do processo de autoconhecimento e reconstrução psíquica.
Por Bruno Eduardo Kolokovski