Qual o impacto das palavras nas nossas vidas? Algumas, passam sem deixar rastro. Outras, podem insistir como um tormento. Assim começa a série “A vida mentirosa dos adultos”, criada a partir do livro da escritora italiana Elena Ferrante e em cartaz na Netflix. A jovem protagonista entreouve uma conversa dos pais. Ele diz, em tom de reprovação, que Giovanna “está começando a parecer a minha irmã”. A mãe rebate: “Como assim? Ela é um monstro”. O pai confirma: “É igualzinha”. Basta para que a garota fique perturbada e passe a se comportar em resposta a esse dito.
“Uma única palavra de desaprovação do meu pai sempre me fez chorar. Ele sempre me disse que eu era bonita. O que ele viu no meu rosto agora que eu não vi?”, pergunta-se Giovanna, enquanto se senta diante do espelho. Não adianta que o pai desminta a si mesmo ou que a mãe argumente que foi só um jeito de falar. A fala dele se constitui como um enigma, abala a imagem de si que ela sustentava diante do olhar do outro. “Tudo ficou parado desde então”, diz a personagem, e vai atrás dos restos da história familiar que ela desconhecia. De uma versão de si mesma que desconhecia.
Em algum momento dessa jornada, Giovanna constata: “As coisas feias que você não conta para ninguém se tornam cães que comem a sua cabeça à noite enquanto você dorme”. Na tradução da Netflix, essa frase ficou um pouco diferente, e na minha memória, guardei a síntese: Aquilo que você não admite dizer (às vezes, nem a si mesmo), pode retornar como tormento.
Em “A vida mentirosa dos adultos”, as dores de crescer são tratadas pela palavra: a escrita de uma personagem, que dá sentido à história da protagonista, e a escrita da autora. Na clínica psicanalítica, a fala será a via para tratar o sofrimento. Uma fala que se destina à escuta do psicanalista, que vai pontuar e intervir para que o inconsciente apareça. Não é um tratamento padronizado. Como diz a mãe de Giovanna, “não existe uma maquiagem que sirva para todos”. A escuta psicanalítica, como tal, dá atenção aos detalhes únicos que marcaram a vida de um sujeito, criança ou adulto, e que insistem em atormentá-lo.