O tema do bullying suscita várias facetas, nem sempre claras, principalmente para leigos. Este breve escrito, procura elucidar sobre isto.
Quando se fala em bullying, a primeira coisa que vem à mente é a agressividade, a violência ou a geração de sofrimento, particularmente psicológico, em quem o sofre. Contudo, na perspectiva psicanalítica, falar de bullying é tocar no assunto da agressividade e capacidade de violência tipicamente humanas. Neste sentido, há que se reconhecer que a agressividade é constitutiva no desenvolvimento humano e ela serve tanto de defesa, contra possíveis ameaças, ou também como forma de marcar território. Assim, quando a agressividade está presente, há no agressor ou uma necessidade de ser impor e marcar território, ou uma necessidade de se defender e manter sua integridade física ou psíquica diante de uma ameaça. Já a violência, por outro lado, é intencional, é mais forte que a agressividade e deseja, deliberadamente, causar mal na vítima. Este é o caso do bullying. Por isto, ele pode ser muito danoso para quem o sofre. As falas debochadas, intimidadoras ou preconceituosas tentam aniquilar ou reduzir a vítima ao mínimo de si possível. Derrotar, diminuir, humilhar é a função do bullying.
Mas, por que o bullying é possível? Por que ele existe? Porque ele declara, ou melhor, escancara, que há diferenças entre os seres humanos. O que deveria compor o desenvolvimento particular de cada ser, com características físicas ou de personalidade próprias, são vistas como fontes de potenciais chacotas. O diferente, no contexto do bullying, deve ser o excluído ou poder ser considerado o bode expiatório. A exclusão é para mostrar que quem faz o bullying manda, é superior, é o valentão, capaz de ter súditos que o validem. Aliás, na língua inglesa, to bully significa intimidar. O problema disto é que, no processo de desenvolvimento psicológico, não é possível o ser humano ser forte desde sempre o suficiente, para saber se defender de possíveis ameaças externas. Desta forma, antes de nos tornarmos adultos, com um Eu capaz de discernimento, autoestima e defesas mais adequadas, o nosso momento infantil e juvenil, mostra a fragilidade ainda da nossa constituição pessoal. Nosso Eu na infância e juventude, fases típicas de muitos sentimentos ambíguos e de construção da nossa identidade, é quando normalmente começamos a nos socializar e isto acontece, geralmente com a ida ao jardim da infância, escolas. Lá, a socialização nos põe de cara com as diferenças: etnias, biotipo, classe sociocultural, etc. O que se costuma chamar pejorativamente de baixo, gordo, quatro olho (óculos), burro, feio, preto, aguado (pele clara, ou muito louro, ou ainda albinos, por exemplo). E por aí vai. O problema disto? Somos fruto das identificações que teremos oportunidade de realizar com os vários outros, nossos semelhantes. Desta forma, a preocupação com o bullying é que o sofre tem alguma característica da minoria, de grupos menores e não sabe se defender e ainda valida que o agressor é mais forte que ele. Normalmente se inibe e sofre calado, ou explode em agressividade física, baixo rendimento escolar ou isolamento social. Bullying durante a fase de desenvolvimento psicológico, da identidade é perigoso por isto: o sujeito pode acreditar que o que o outro diz dele é realmente a verdade e ele pode “colar” neste significado de muito sofrimento. Por outro lado, é curioso levantar a condição do agressor. Por que alguém gostaria de se sentir o maioral, o influente, o mandão? Porque o agressor é tão frágil quanto a vítima. Pasmem! O agressor normalmente projeta na vítima o que ele mesmo não gosta ou reprova em si. Assim, a vítima é um bode expiatório, daquilo que precisa ficar para fora ou de fora que não é aceitável em si própria. Daí, tem-se uma plateia, o grupo, que vai se identificar com o agressor, mesmo não fazendo o mesmo bullying, valida, porque se identifica com o agressor. As consequências disto é a omissão, a permissividade. O bullying perdura porque há este terreno.
O que é saudável? Pais e escolas notarem modificação de comportamentos em seus filhos que podem estar sofrendo bullying, como isolamento social e baixo rendimento escolar, por exemplo. Bem como notar, em filhos agressores, atitudes mais soberbas, sádicas ou altivas, o que às vezes é mais difícil identificar ou admitir. Afinal, em ambos os casos, agressor e vítima, estão de alguma forma em sofrimento galopante e precisam de ajuda).
Como ajudar? Individualmente, procurando profissionais da área psicológica para que uma escuta diferenciada possa localizar este sofrimento e nomear, colocar no seu lugar porque quem sobre do bullying se submete a receber agressões. Ou ainda, por que ter a necessidade de agredir violentamente, no caso do agressor. Importante a família ser implicada neste processo e a escola também. Nos lares, conversar sobre as diferenças humanas, como algo típico da natureza humana, características, físicas, étnicas. Ou mesmo, sobre as diferenças sociais. Uma educação afetiva e saudável será capaz de contemplar a ideia de que a diferença humana não é danosa, ela só é uma realidade. Para alguns, é mais difícil aceitar, para outros, mais fácil, mas como ela estará sempre lá, é bem-vinda acolhê-la, para que ela não precise aparecer nestes sintomas e movimentos de grupo.
Bibliografia
DE SOUSA E CASTRO NOYA PINTO, F. Uma leitura sobre bullying e preconceito a partir do Simbólico e do Imaginário da Psicanálise. Olhares: Revista do Departamento de Educação da Unifesp, [S. l.], v. 9, n. 1, p. 56–69, 2021.
LONGO, M. A projeção do ódio ao diferente na escola:. Cadernos de Psicanálise | CPRJ, v. 44, n. 47, p. 207-219, 16 nov. 2022.