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Inferno e comunidade LGBT+ de mal-ditos a cenários alternativos

Inferno e comunidade LGBT+ de mal-ditos a cenários alternativos

  • Eu preciso conversar contigo, Deusimar. A gente juntou a tua parte.
  • Já disse que não preciso.
  • Vai precisar sim! A gente não vai deixar tu morrer, Deusimar. A gente não vai deixar tu morrer! Tá ouvindo? Tu tem que fazer alguma coisa, tu tem que tomar alguma atitude. Passou a vida inteira, esperando, esperando, esperando… tava esperando que alguém te levasse embora daqui. Mas foi tu, tu, tu que nunca teve coragem de sair daqui. Tu nunca deu um passo pra fora daqui. Era só tu abrir o portão e (ir)… mas não, tu fica aqui, se maldizendo da vida, se maldizendo, botando a culpa em tudo, em todo mundo. A vida é tua, Deusimar. Então, trata bem da vida. Faz assim ó, faz carinho na vida, num maltrata a vida não. O bar tu vende, agora a vida, a vida é tua. A vida é tua até o fim. A vida é tua até o fim.

Tu vai pegar, assim, tu vai pegar esse dinheiro aqui, tá, aí tu vai atrás, aí tu vai atrás do teu sonho, vai atrás do teu amor. Aí, quando tu tiver bem feliz, aí tu lembra de mim? Por favor. Como se eu tivesse direito, como se eu fosse gente, lembra de mim. Por favor, tá? Vai por mim. A vida, a vida tá correndo, Deusimar. Vai embora daqui. Por favor… Antes que….

Inferninho, filme brasileiro de 2018, dirigido por Guto Parente e Pedro Diógenes, parece uma pintura. Algo meio surrealista, meio onírico, e bastante fantasioso. Atribuo a atmosfera de sonho a Coelho, garçom sem igual na trama, à Deusimar, travesti japonesa dona do bar Inferninho, e a alguns outros detalhes. “Simples e exuberante”, foi como pensei sobre o filme pouco depois de assisti-lo. Simples e exuberante ainda o considero, em especial o diálogo de Coelho com Deusimar transcrito acima. A forjada coincidência do cotidiano com o banal, com o drama e com a fantasia, resultando em cinema queer nacional de marejar os olhos era algo que eu ainda não tinha encontrado e não sabia que me encantaria tanto. Encantou.


Encontrei um certo clichê com relação às histórias de amor, muito bem executado num casal não normativo, e não encontrei, no filme, nenhum apelo a um sofrimento em específico das populações LGBTQIAPN+. Ufa, que alívio. Poder viver dramas que, como num pêndulo, vão do cotidiano e banal ao fantasioso e até ao trágico, sem que a causa desse movimento seja a aversão e violência alheias, talvez seja uma utopia queer.

(E que provocativo a nomeação do filme com uma palavra que remete, ao mesmo tempo, ao cristianismo e à sexualidade!)

Enquanto ser quem se é em paz, atormentado mais por si que pelos outros, não é realidade para a maioria das pessoas LGBT no Brasil e no mundo, fazemos cinema, fazemos arte, ciência, política e resistência. E, para cuidar do que atormenta, vindo do outro ou (e) de si, fazemos análise.

Talvez alguns infernos precisem ser atravessados – com vida!, mesmo que se olhe para trás – para que o sujeito possa inventar mudanças para si. Para que haja a invenção de meios de sair da desordem e dor que se vive. E talvez seja (também) sobre isso que se trata Inferninho: por meio de uma viagem, mudar.

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