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Super-Homem

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Parte III

… semana passada falávamos aqui da ideia de que um trabalho de uma análise não tem a ver com a busca por uma receita, mas sim com escrever a sua própria receita nos termos de que receita, na verdade, não há. Anote aí: não existe receita.

Essa escrita, por si só, é uma experiência humana radicalmente diferente da lógica pegue o produto de que necessita e pague por ele no caixa. Isso se você for a fim de topar a empreitada diante daquilo que te faz sofrer. É comum por parte dos que procuram por uma análise demandarem pela entrega de um produto. O psicanalista é quem pode escutar essa demanda justamente por já ter ocupado um dia esse lugar de demandante, ou seja, de quem fez a sua própria análise. É nesse sentido que psicanalistas trabalham com o campo da escuta.

Escrever este texto, por exemplo, está no campo da explicação.

E o que psicanalistas têm escutado dos homens em atendimento aqui no PsiSocial? Justamente que eles são só 20,57% do total de quem está em análise.

Dá para dizer mais?

Sim, esses 20,57% estão praticando, cada um a seu tempo e modo, a “cura pela fala” e a “limpeza da chaminé”.As aspas nas expressões são devidas ao fato de que elas foram pronunciadas por uma das primeiras pacientes do método psicanalítico, por assim dizer, ao tentar nomear o que era e como era feito seu trabalho de análise.

Não estaríamos entupindo nossa chaminé da atualidade com produtos que a ciência e o marketing nos ensinaram a querer sem de fato desejar? Não estaríamos entupidos de informação, de explicação, de imagens, de aplicativos, de receitas e de tudo mais de que sabemos ser excesso em nossas vidas? Chaminés entupidas são esvaziadas pela fala, via a escuta de psicanalistas, aqui no PsiSocial.

Falando em limpeza, como não lembrar aqui que a higiene pessoal masculina também é tema de debate no campo da saúde. De vez em quando, até se torna tópico de conversa entre algumas mulheres em relação aos seus companheiros, como foi o caso de uma postagem que viralizou no Twitter[i], em 2017. Nela, uma mulher pede ajuda sobre como fazer com que seu marido limpasse a bunda direito uma vez que suas cuecas sempre estavam sujas no cesto. Para sua surpresa, outras tantas responderam à postagem, dizendo que com seus respectivos companheiros acontecia o mesmo!

O motivo para não realizar sua higiene íntima?

“Medo de virar gay”, respondeu o marido da corajosa que registrou sua indignação naquela rede social. E porque o exame de toque retal estaria associado aos gays? Uma coisa é o sexo anal praticado entre homens; outra, um exame de toque retal realizado por um urologista. Ou não?

Como seria para o infalível medroso se submeter ao exame de toque para verificar se houve ou não aumento de sua próstata, possível diagnóstico de câncer? Subjaz à sua argumentação a lógica “antes um câncer do que virar gay?”. Então, se já está na hora, através de um toque de tela, procure por um médico urologista que o possa orientar sobre a necessidade ou não de se fazer o exame de toque retal e de sangue, esse mais conhecido como PSA, que investiga possível câncer de próstata.

A chamada masculinidade tóxica produz danos tanto à sociedade, às mulheres e à população lgbtqia+ quanto aos homens que com ela se identificam. Quer um exemplo?

Tente imaginar a cena: fim da partida e os amigos do futebol se sentam para tomar “aquela cerveja” no bar da cancha. No banco de madeira, Vandré senta ao lado de Jorge:

Vandré: hoje foi bom, deu pra cansar.

Jorge: deita aqui na minha perna.

Ronaldo: as bonecas vão começar de viadice agora?

Rogério pensa, mas não diz: “e eu que sempre fui louco por ele… agora o cara abre assim desse jeito, como é que eu fico?”

Alguns, outros, assistem à cena e continuam a conversa, já que ela não os incomoda e, por não lhes dizer respeito, respeitam.

Quer outro exemplo?

Espaços públicos em que ainda não há fraldário que possa ser utilizado por um pai que esteja passeando com a sua filha que ainda usa fraldas. Se você, com algum bom humor, se perguntou “mas como é que eles vão trocar as fraldas de uma filha se ainda não aprenderam a limpar a própria bunda?”, é aí que você se engana: tem homem sim que vai bem na sua função (humanizadora) de pai. “Ah, mas são bem poucos”, escutei daqui.

E por que vai bem? Justamente porque ele olha para os seus próprios medos, entusiasmos, cansaços, risos, angústias, amores, hipocrisia, realizações, fraquezas, prazeres, indiferenças, choros, dores, felicidades, ódios, quedas, manias, certezas, decepções, dignidade, dúvidas, pretensões e para tudo mais que o pai tri arcado joga para debaixo do tapete. Diferentemente do último, ele olha para tudo isso e o leva em alta conta… a ser paga. É isso que no PsiSocial também escutamos. 

Pensei aqui que talvez você pudesse estar se perguntando: mas e o Super-Homem do título deste texto? Quando ele entra nesta história toda? Na semana que vem.


[i] https://observatoriog.bol.uol.com.br/noticias/post-de-mulher-que-pediu-ajuda-com-marido-que-nao-limpa-o-traseiro-para-nao-virar-gay-viraliza-nas-redes-sociais. Acesso em 02 setembro 2022.

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